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    Os sintomas são os mesmos, enquanto suas causas podem variar conforme o fator cultural de cada país e a natureza de cada negócio. Trata-se das situações que podem afetar a boa relação do cliente com a academia que frequenta, direcionando algumas vezes, ao término do contrato.

    O blog da IHRSA Brasil conversou com Luís Amoroso, arquiteto e empresário com mais de 35 anos de experiência no mercado fitness, para entender a importância do valor agregado nos negócios, o que anda espantando os clientes das academias brasileiras e ainda, o que é possível fazer para conter a deserção.

     Motivos para a evasão

    A mais recente edição da revista CBI fez um retrato dos fatores que podem diminuir a percepção de valor agregado em frequentadores de academias ao redor do mundo. A publicação ressalta, por exemplo, o peso da superlotação dos ambientes de treino nos números de cancelamentos de planos. No Brasil, o cenário é similar, embora o desenho do mercado nacional indique diferentes formas de combate a esse tipo de ameaça.

     Em pesquisa realizada na Nova Zelândia pela CGB Consulting, empresa parceira da rede de academias Les Mills, entre os motivos para o abandono dos treinos, destacam-se: “mudança de endereço”, com 36% das respostas; “parei de frequentar”, com 23%; “superlotação”, com 19% e “mudança de situação financeira”, com 17%. Segundo Amoroso, em terras nacionais essas razões se repetem, ocupando diferentes posições.

    “No Brasil, a questão da mudança de endereço é menor. Aproximadamente 18% das pessoas deixam de ir à academia por conta disso. Quanto às pessoas que simplesmente deixam de frequentar, o percentual chega a 30%, algo bastante forte. A superlotação por aqui é um fenômemo menos expressivo porque se observa principalmente no segmento low cost, revela o especialista.

    No modelo de negócio low cost - em alta no Brasil – o cenário ao longo dos primeiros meses de operação é muito atrativo ao consumidor, que encontra preço baixo, equipamentos de alta qualidade e pouca gente ocupando o mesmo espaço. No entanto, quando uma academia desse tipo vai amadurecendo, é possível encontrar até quatro alunos por metro quadrado. Isso reflete diretamente no índice de evasão: nas academias consideradas tradicionais, por volta de 5% dos alunos abandonam os treinos a cada mês, enquanto no modelo low cost, esse percentual chega a 15%.

    O que ocorre é que, enquanto nos Estados Unidos e Europa, mercados onde surgiram as low cost, cerca de 7% dos alunos inscritos utilizam as academias nos dias de pico, no Brasil esse número chega aos 30%. Ou seja, se considerarmos uma academia com 1.500 m² e 4.000 alunos, nos Estados Unidos e Europa 280 alunos frequentam a academia em uma segunda-feira, no Brasil essa mesma academia terá 1.200 alunos frequentando.

    Existe um limiar que marca o nível de tolerância à superlotação. Trata-se do lugar em que a equação “Valor = Utilidade - Preço” ainda está balanceada. É algo como aceitar a divisão de um doce saboroso com outra pessoa, exatamente porque o sabor vale muito a pena. A partir do momento em que o número de bocas dispostas a comer esse doce aumenta muito a ponto de quase impedir o consumo, as pessoas vão embora. As academias precisam então, estudar o comportamento de seus alunos para que possam acompanhar se eles estão próximos desse limiar.

     Valor x Dinheiro

     Na relação Valor x Dinheiro, as pessoas usam uma academia frequentemente porque percebem seu valor agregado. Se isso não acontece ou para de acontecer, provavelmente o usuário e o negócio se desconectaram. A mudança de hábitos que impulsionou a matrícula pode não ter encontrado apoio no dia a dia dos treinos.

     O grande desafio para qualquer academia é manter viva a percepção de valor, mesmo com os possíveis obstáculos, algumas vezes impostos pelo próprio modelo de negócio que se pratica. Para Amoroso, “há uma grande diferença entre preço e valor. Preço é somente a quantidade de dinheiro que o cliente desembolsa. Precisa existir uma série de motivos fortes, uma contrapartida sólida, em forma de experiência, que justifique esse investimento. Este é o valor agregado”.

     Luis Amoroso-2

    Luís Amoroso

    O olhar do empreendedor fitness precisa se voltar, primeiramente, à já citada motivação para a inscrição do cliente. Não é raro que a decisão por seguir um estilo de vida mais saudável se materialize com a inclusão dos treinos na rotina diária. O que geralmente se percebe na sequência é a dificuldade de manutenção da nova rotina, natural em qualquer processo de adoção de novos hábitos. Nem sempre a pessoa tem a clareza de como ultrapassar essa dificuldade. É aí que a academia pode se colocar como uma parceira, ao prestar essa assessoria quanto ao que se encaixa melhor a cada pessoa, o chamado lifestyle coaching.

     Ações que geram percepção positiva

    De acordo com a CBI, o antídoto para toda essa situação se encontra, em parte, na capacidade de gerenciamento do espaço, que se verifica na distribuição planejada de equipamentos e aulas, visando diminuir o número de alunos por metro quadrado. Na opinião do consultor brasileiro, essa seria apenas a ponta do iceberg:

     “É preciso ofertar experiências melhores e uma maior gama de produtos e serviços. Não simplesmente aumentar o número de modalidades de treino, mas apostar na experiência. Uma metodologia eficaz e o apoio da tecnologia asseguram aos clientes os resultados de seus treinos, enquanto a tematização gera o envolvimento. A união desses fatores resulta na verdadeira experiência de treinar. Então, não é apenas remanejar o espaço e incluir mais atividades no cronograma. É algo mais profundo e cuidadoso”, indica Amoroso.

     Nos Estados Unidos, essa nova tendência já tem nome. São as academias “high value, low cost”. A ideia é praticar os preços competitivos das academias low cost e oferecer experiências de alto valor. O investimento “se paga” por conta do grande número de alunos, que por sua vez, convivem em harmonia com a ocupação elevada, motivados pela experiência que sustenta o valor agregado. E no caminho para a fidelização dos clientes, dois outros fatores ainda podem influenciar de forma positiva: tecnologia que possibilita acompanhar de forma individualizada os alunos e o fator mais importante na opinião de Luís Amoroso: a melhoria contínua de processos e o treinamento dos profissionais.

     “Toda academia é composta por pessoas que trabalham para ajudar outras a atingirem seus objetivos. Então, é extremamente necessário desenvolver fluxos e processos para que mais alunos treinem de forma eficaz. Hoje, estudos já comprovam que um treino satisfatório pode ser realizado em torno de 40 minutos. Tem gente levando uma hora e meia nos treinos, pois não há orientação, processo, ou metodologia. Uma academia precisa capacitar seus profissionais para que ensinem seus alunos a treinar melhor. As pessoas vão se sentir cuidadas e sem dúvida, para o negócio, custa muito menos investir em treinamento do que em novos equipamentos. É algo muito mais acessível”, finaliza Luís Amoroso.

     

     Luís Amoroso recebeu o Prêmio Carreira na XXIV Convenção Internacional de Atividade Física Manz, realizado em Lisboa no ano de 2017. É membro do conselho da GLG Research, empresa americana que reúne consultores de vários setores para compartilhar conhecimento com líderes da área financeira e comercial. Já ministrou palestras e cursos que englobam o gerenciamento operacional, o planejamento e estruturação de academias na América do Sul, América do Norte e Europa.